segunda-feira, 8 de maio de 2017

A ética, o marqueteiro, e o profissional de marketing

É ponto pacífico que enfrentamos aprofundada crise moral e ética, exposta em denúncias de corrupção entre atores governamentais e o meio empresarial. Cresce a desconfiança em relação a várias instituições, incluindo corporações que, por décadas, representavam exemplo de crescimento socialmente responsável. O desapontamento em face de gestores privados é comparável ao descrédito em relação ao modelo político vigente, evidenciado por recentes eleições de governantes que se apresentavam como “não políticos”.

No noticiário de escândalos que subvertem a noção de interesse público, e que impulsionam a ojeriza da população à política, tornaram-se comuns referências ao neologismo “marqueteiro” (ou “marketeiro”). Trata-se de substantivo derivado da palavra “marketing” aglutinada ao sufixo “eiro”, e que pode se referir genericamente ao indivíduo “que tem o marketing como profissão” (de acordo com o Michaelis Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa).

Mas o emprego do termo “marqueteiro” ganhou força no âmbito do marketing político, notadamente para designar a pessoa contratada para promover candidato ou partido, com o objetivo final de obter os votos necessários para vencer uma eleição. Como adverte o jurista José Jairo Gomes (Direito Eleitoral, 12 ed. Atlas, 03/2016. [Minha Biblioteca]), o marketing político foca em “bem embalar o político, de maneira a alavancar sua imagem pública”, buscando, desta forma, expandir a credibilidade do candidato e conferir-lhe “ares de transparência, seriedade, retidão de caráter e honestidade, de sorte que as relações estabelecidas com o ‘público-alvo’ – o eleitor – sejam fortes e duradouras, o que termina por refletir no resultado das urnas”.

Destarte, a palavra “marqueteiro” passou a ser coloquialmente associada ao indivíduo responsável por moldar a reputação de determinado político ou partido para agradar o público, veiculando informações que não necessariamente correspondem à realidade. A frequente ligação com denúncias de corrupção e com campanhas políticas enganosas conferiu caráter altamente depreciativo ao termo “marqueteiro”. E esse viés é rotineiramente transposto a outras ações, resultando em generalização equivocada sobre os verdadeiros papeis do profissional de marketing, em todos os seus âmbitos de atuação, e não apenas em relação à propaganda política. Daí a importância dos verdadeiros profissionais de marketing permanecerem sensíveis a padrões morais e princípios éticos que sirvam como diretrizes para suas atividades.

A moral é um conceito relativo que abrange padrões baseados em influências e hábitos, a partir dos quais são realizados julgamentos sobre o que é certo ou errado. O ser humano se apresenta como um ser de hábitos culturais e também como um ser autônomo. Autônomo, no sentido de ser ao mesmo tempo livre e responsável por seus atos. A exposição a convicções de várias fontes (como amigos, família, escola, mídia, trabalho, etc.) influenciam nosso modo de agir frente as mais diversas circunstâncias, de forma autônoma, livre, mas sempre, responsável. Nesse sentido, pondera o filósofo André Comte-Sponville: “Em outras palavras, cada um faz o que quer. E essa liberdade, longe de abolir a moral, nos submete a ela.” (Valor e verdade, São Paulo: WMF Martins Fontes, 2008, p. 270, apud Lucca, Newton de. Da ética geral à ética empresarial, São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 59)

A moral, portanto, é um conceito relativo, aplicado subjetivamente de acordo com influências e hábitos pessoais, e que estabelece padrões de conduta que auxiliam o indivíduo a atingir a sua finalidade natural: a procura do bem. A moral é a prática que, em última instância, conduzirá o indivíduo a resolver o que fazer em cada situação concreta. A ética, por sua vez, pretende ser algo universal, composta de princípios que motivam ou pretendem orientar o comportamento humano, refletindo essencialmente sobre a essência das normas, valores, preocupações e estímulos atinentes a qualquer realidade social. Desta forma, a definição de diretrizes sobre o que é certo ou errado não é uma questão moral de caráter individual, mas um problema geral cuja solução cabe à parte teórica da ética.

Nesse plano teórico, prolifera o desenvolvimento e implantação de códigos de ética em organizações de diversos níveis e naturezas. Tratam-se de documentos com diretrizes formuladas para auxiliar os diversos agentes a conduzir suas atividades de forma honesta e íntegra, em consonância com valores admitidos pela organização e pela sociedade. Tais diretrizes devem esclarecer a missão, os valores e princípios de uma organização, ajudando os diversos agentes a compreender como esses fundamentos se traduzem em ações sobre problemas ou dilemas éticos. Desta forma, além de regular comportamentos dentro de uma organização, o código de ética proporciona a tomada de decisões de forma mais eficiente e segura.

E quais seriam as principais diretrizes de um código de ética voltado para ações de marketing? Há certas práticas que são claramente antiéticas, por descumprirem regras de conduta obrigatórias previstas em leis. Vivemos numa sociedade regida por leis. Nem mesmo o desconhecimento de determinada lei pode escusar seu descumprimento, conforme o princípio previsto no art. 3º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei nº 4.657/42). Portanto, o primeiro passo natural para promover a ética em uma organização é assegurar que todos os seus colaboradores tenham ciência e cumpram as leis relevantes.

Mas existem ações que, embora regulares sob o ponto de vista legal, são questionáveis sob o ponto de vista ético. Por exemplo, o art. 8º da Lei nº 9.610/98 exclui as ideias dos objetos de proteção como direitos autorais. Tal disposição poderia, em tese, justificar o uso de conceitos alheios no desenvolvimento de novas ações de comunicação. Porém, o Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária (CBAP) “protege a criatividade e a originalidade e condena o anúncio que tenha por base o plágio ou imitação”, e estabelece que “o anúncio não poderá infringir conceitos de terceiros, mesmo aqueles empregados fora do país, reconhecidamente relacionados ou associados a outro Anunciante”.

O CBAP data de 1980 e é exemplo bem-sucedido de código de ética, cuja aplicação é de competência do Conar - Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária. Desde a implantação do CBAP, o Conar já instaurou e julgou milhares processos éticos, defendendo princípios como a honestidade e veracidade dos anúncios, o respeito e a conformidade às leis do Brasil, o devido senso de responsabilidade social, a defesa da leal concorrência, e a presença da responsabilidade do anunciante, da agência de publicidade e do veículo de divulgação junto ao consumidor. São diretrizes que orientam quanto a atitudes ideais dos profissionais do segmento, em linha com valores defendidos por anunciantes, agências de publicidade e propaganda, e veículos de comunicação.

Os princípios dispostos no CBAP ilustram como disposições de caráter ético que podem servir à organização como um todo. A questão ganha relevância para o marketing, frequentemente criticado como um processo antiético, que estimularia as pessoas a adquirir produtos ou serviços que não precisam ou que até podem ser prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente. O renomado autor Philip Kotler tratou dessas pressões para expandir o consumo forma bastante apropriada no artigo “Marketers Wrestle With Ethical Questions: Is Marketing Ethics an Oxymoron?” (Marketing Management. 13(6), 2004, p. 30-35):

“[C]omo profissionais de marketing, devemos ter a mesma ambivalência que os cientistas que ajudam a construir bombas nucleares ou que os pilotos que despejam agrotóxicos em plantações a partir de aviões. Alguns de nós, de fato, somos independentes o suficiente para dizer a esses clientes que não trabalharemos para eles para encontrar formas de vender mais de algo que prejudica as pessoas. Podemos dizer a eles que estamos dispostos a usar nosso kit de ferramentas de marketing para auxiliá-los a construir novos negócios baseados em produtos alternativos que sejam mais saudáveis e seguros.

Porém, mesmo se essas empresas avançarem em direção a tais produtos mais saudáveis e seguros, elas provavelmente continuarão a empurrar suas “cash cows” (“vacas leiteiras”). Nesse momento, os profissionais de marketing terão de decidir se devem trabalhar para essas empresas, auxiliá-las a reformular os produtos que oferecem, evitá-las completamente, ou se mesmo trabalhar no sentido de se opor aos produtos por elas oferecidos.”

Diante do exposto neste breve ensaio, é possível concluir que os profissionais de marketing devem fomentar o desenvolvimento de princípios éticos e assumir papel ativo na defesa e aplicação de tais princípios. É verdade que códigos escritos e programas de ética não conseguem garantir um comportamento moralmente aceitável por todos os agentes da organização. Como vimos, a tomada de decisão cabe, em última instância, ao ser autônomo, a partir dos padrões que compõem a sua moral individual. Mas é papel da organização orientar e encorajar ações moralmente aceitas, primando por uma regra ética básica: não causar prejuízo conscientemente, a quem quer que seja (consumidores, eleitores, concorrentes, ou a sociedade em geral).

Quer saber mais? Seguem algumas referências consultadas para a realização deste trabalho:
-       Ghillyer, Andrew W. Ética nos negócios. 4. ed. Porto Alegre: AMGH, 2015.
-       Kotler, Philip. Administração de marketing. 14. ed. São Paulo: Pearson Education do Brasil, 2012.
-       Kotler, Philip. “Marketers Wrestle With Ethical Questions: Is Marketing Ethics an Oxymoron?” Marketing Management. 13(6), 2004, p. 30-35.

-       Lucca, Newton de. Da ética geral à ética empresarial. São Paulo: Quartier Latin, 2009.

   
Alysson H. Oikawa

       Mestre em Direito (Master of Laws, LL.M.) pela University of Illinois at Urbana-Champaign, EUA. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Bacharel em Comunicação Social - Habilitação em Publicidade e Propaganda, pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Professor do Curso Superior de Tecnologia em Marketing do UNICURITIBA. Advogado (OAB/PR 33.346).

Nenhum comentário:

Postar um comentário