É ponto pacífico que enfrentamos aprofundada crise moral e ética,
exposta em denúncias de corrupção entre atores governamentais e o meio
empresarial. Cresce a desconfiança em relação a várias instituições, incluindo
corporações que, por décadas, representavam exemplo de crescimento socialmente
responsável. O desapontamento em face de gestores privados é comparável ao
descrédito em relação ao modelo político vigente, evidenciado por recentes
eleições de governantes que se apresentavam como “não políticos”.
No noticiário de escândalos que subvertem a noção de interesse público,
e que impulsionam a ojeriza da população à política, tornaram-se comuns
referências ao neologismo “marqueteiro” (ou “marketeiro”). Trata-se de
substantivo derivado da palavra “marketing” aglutinada ao sufixo “eiro”, e que pode
se referir genericamente ao indivíduo “que tem o marketing como profissão” (de
acordo com o Michaelis
Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa).
Mas o emprego do termo “marqueteiro” ganhou força no âmbito do
marketing político, notadamente para designar a pessoa contratada para promover
candidato ou partido, com o objetivo final de obter os votos necessários para
vencer uma eleição. Como adverte o jurista José Jairo Gomes (Direito Eleitoral, 12 ed. Atlas,
03/2016. [Minha Biblioteca]), o marketing político foca em “bem embalar o
político, de maneira a alavancar sua imagem pública”, buscando, desta forma,
expandir a credibilidade do candidato e conferir-lhe “ares de transparência, seriedade,
retidão de caráter e honestidade, de sorte que as relações estabelecidas com o
‘público-alvo’ – o eleitor – sejam fortes e duradouras, o que termina por
refletir no resultado das urnas”.
Destarte, a palavra “marqueteiro” passou a ser coloquialmente associada
ao indivíduo responsável por moldar a reputação de determinado político ou
partido para agradar o público, veiculando informações que não necessariamente correspondem
à realidade. A frequente ligação com denúncias de corrupção e com campanhas políticas
enganosas conferiu caráter altamente depreciativo ao termo “marqueteiro”. E
esse viés é rotineiramente transposto a outras ações, resultando em
generalização equivocada sobre os verdadeiros papeis do profissional de
marketing, em todos os seus âmbitos de atuação, e não apenas em relação à
propaganda política. Daí a importância dos verdadeiros profissionais de
marketing permanecerem sensíveis a padrões morais e princípios éticos que
sirvam como diretrizes para suas atividades.
A moral é um conceito relativo que abrange padrões baseados em
influências e hábitos, a partir dos quais são realizados julgamentos sobre o
que é certo ou errado. O ser humano se apresenta como um ser de hábitos
culturais e também como um ser autônomo. Autônomo, no sentido de ser ao mesmo
tempo livre e responsável por seus atos. A exposição a convicções de várias
fontes (como amigos, família, escola, mídia, trabalho, etc.) influenciam nosso
modo de agir frente as mais diversas circunstâncias, de forma autônoma, livre,
mas sempre, responsável. Nesse sentido, pondera o filósofo André
Comte-Sponville: “Em outras palavras, cada um faz o que quer. E essa liberdade,
longe de abolir a moral, nos submete a ela.” (Valor e verdade, São Paulo: WMF
Martins Fontes, 2008, p. 270, apud Lucca, Newton de. Da ética geral à ética
empresarial, São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 59)
A moral, portanto, é um conceito relativo, aplicado subjetivamente de
acordo com influências e hábitos pessoais, e que estabelece padrões de conduta
que auxiliam o indivíduo a atingir a sua finalidade natural: a procura do bem. A
moral é a prática que, em última instância, conduzirá o indivíduo a resolver o
que fazer em cada situação concreta. A ética, por sua vez, pretende ser algo
universal, composta de princípios que motivam ou pretendem orientar o
comportamento humano, refletindo essencialmente sobre a essência das normas,
valores, preocupações e estímulos atinentes a qualquer realidade social. Desta
forma, a definição de diretrizes sobre o que é certo ou errado não é uma
questão moral de caráter individual, mas um problema geral cuja solução cabe à
parte teórica da ética.
Nesse plano teórico, prolifera o desenvolvimento e implantação de
códigos de ética em organizações de diversos níveis e naturezas. Tratam-se de
documentos com diretrizes formuladas para auxiliar os diversos agentes a
conduzir suas atividades de forma honesta e íntegra, em consonância com valores
admitidos pela organização e pela sociedade. Tais diretrizes devem esclarecer a
missão, os valores e princípios de uma organização, ajudando os diversos
agentes a compreender como esses fundamentos se traduzem em ações sobre
problemas ou dilemas éticos. Desta forma, além de regular comportamentos dentro
de uma organização, o código de ética proporciona a tomada de decisões de forma
mais eficiente e segura.
E quais seriam as principais diretrizes de um código de ética voltado
para ações de marketing? Há certas práticas que são claramente antiéticas, por
descumprirem regras de conduta obrigatórias previstas em leis. Vivemos numa
sociedade regida por leis. Nem mesmo o desconhecimento de determinada lei pode
escusar seu descumprimento, conforme o princípio previsto no art. 3º da Lei de
Introdução às normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei nº 4.657/42). Portanto,
o primeiro passo natural para promover a ética em uma organização é assegurar que
todos os seus colaboradores tenham ciência e cumpram as leis relevantes.
Mas existem ações que, embora regulares sob o ponto de vista legal, são
questionáveis sob o ponto de vista ético. Por exemplo, o art. 8º da Lei nº
9.610/98 exclui as ideias dos objetos de proteção como direitos autorais. Tal
disposição poderia, em tese, justificar o uso de conceitos alheios no
desenvolvimento de novas ações de comunicação. Porém, o Código Brasileiro de
Autorregulamentação Publicitária (CBAP) “protege a criatividade e a
originalidade e condena o anúncio que tenha por base o plágio ou imitação”, e
estabelece que “o anúncio não poderá infringir conceitos de terceiros, mesmo
aqueles empregados fora do país, reconhecidamente relacionados ou associados a
outro Anunciante”.
O CBAP data de 1980 e é exemplo bem-sucedido de código de ética, cuja
aplicação é de competência do Conar - Conselho Nacional de
Autorregulamentação Publicitária. Desde a implantação do CBAP, o Conar já instaurou e julgou milhares processos
éticos, defendendo princípios como a honestidade e veracidade dos anúncios, o
respeito e a conformidade às leis do Brasil, o devido senso de responsabilidade
social, a defesa da leal concorrência, e a presença da responsabilidade do anunciante,
da agência de publicidade e do veículo de divulgação junto ao consumidor. São
diretrizes que orientam quanto a atitudes ideais dos profissionais do
segmento, em linha com valores defendidos por anunciantes, agências de
publicidade e propaganda, e veículos de comunicação.
Os princípios dispostos no CBAP ilustram como disposições de caráter
ético que podem servir à organização como um todo. A questão ganha relevância
para o marketing, frequentemente criticado como um processo antiético, que
estimularia as pessoas a adquirir produtos ou serviços que não precisam ou que
até podem ser prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente. O renomado autor Philip
Kotler tratou dessas pressões para expandir o consumo forma bastante apropriada
no artigo “Marketers
Wrestle With Ethical Questions: Is Marketing Ethics an Oxymoron?” (Marketing Management. 13(6), 2004, p. 30-35):
“[C]omo profissionais de marketing, devemos
ter a mesma ambivalência que os cientistas que ajudam a construir bombas
nucleares ou que os pilotos que despejam agrotóxicos em plantações a partir de aviões.
Alguns de nós, de fato, somos independentes o suficiente para dizer a esses
clientes que não trabalharemos para eles para encontrar formas de vender mais
de algo que prejudica as pessoas. Podemos dizer a eles que estamos dispostos a
usar nosso kit de ferramentas de marketing para auxiliá-los a construir novos negócios
baseados em produtos alternativos que sejam mais saudáveis e seguros.
Porém, mesmo se essas empresas avançarem em direção
a tais produtos mais saudáveis e seguros, elas provavelmente continuarão a
empurrar suas “cash cows” (“vacas
leiteiras”). Nesse momento, os profissionais de marketing terão de decidir se
devem trabalhar para essas empresas, auxiliá-las a reformular os produtos que
oferecem, evitá-las completamente, ou se mesmo trabalhar no sentido de se opor
aos produtos por elas oferecidos.”
Diante do exposto neste breve ensaio, é possível concluir que os
profissionais de marketing devem fomentar o desenvolvimento de princípios
éticos e assumir papel ativo na defesa e aplicação de tais princípios. É
verdade que códigos escritos e programas de ética não conseguem garantir um
comportamento moralmente aceitável por todos os agentes da organização. Como
vimos, a tomada de decisão cabe, em última instância, ao ser autônomo, a partir
dos padrões que compõem a sua moral individual. Mas é papel da organização
orientar e encorajar ações moralmente aceitas, primando por uma regra ética
básica: não causar prejuízo conscientemente, a quem quer que seja (consumidores,
eleitores, concorrentes, ou a sociedade em geral).
Quer saber mais? Seguem algumas referências consultadas para a
realização deste trabalho:
-
Ghillyer,
Andrew W. Ética nos negócios. 4.
ed. Porto Alegre: AMGH, 2015.
-
Kotler, Philip. Administração de marketing. 14. ed. São Paulo: Pearson Education do
Brasil, 2012.
-
Kotler,
Philip. “Marketers Wrestle With Ethical Questions: Is Marketing Ethics an
Oxymoron?” Marketing Management.
13(6), 2004, p. 30-35.
-
Lucca,
Newton de. Da ética geral à ética
empresarial. São Paulo: Quartier Latin, 2009.
Mestre em Direito (Master of
Laws, LL.M.) pela University of Illinois at Urbana-Champaign, EUA. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do
Paraná (UFPR). Bacharel em Comunicação Social - Habilitação em Publicidade e
Propaganda, pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Professor do
Curso Superior de Tecnologia em Marketing do UNICURITIBA. Advogado (OAB/PR
33.346).